Espeleologia: o estudo das cavernas

Espeleologia: o estudo das cavernas

18 agosto 2014
Pércio de Moraes Branco

Segundo o Grupo Bambuí de Pesquisas Espeleológicas, espeleologia é o estudo das cavernas, de sua gênese e evolução, do meio físico que elas representam, de seu povoamento biológico atual ou passado, bem como dos meios ou técnicas que são próprias ao seu estudo. Essa palavra vem do latim spelaeum (caverna) e do grego logos (estudo).

Entre as ciências que se relacionam com a espeleologia estão geologia, geografia, hidrologia, biologia, climatologia e arqueologia.


Classificação

Entrada da Gruta do Lago Azul, em Bonito (MS) O termo caverna (do latim cavus, buraco) designa qualquer cavidade natural em rocha com dimensões que permitam acesso a seres humanos. Pode ser de vários tipos, conforme topografia, comprimento e forma.

Abrigo é uma cavidade de pequeno comprimento e grande abertura que pode ser usada como guarita por animais ou pessoas.

Toca é uma caverna com grande abertura, desenvolvimento horizontal menor que 20 metros e uma única entrada. Costuma ser predominantemente horizontal, sendo o desnível, quando presente, pequeno.

Gruta ou lapa é uma caverna também predominantemente horizontal, mas com mais de 20 metros de comprimento. Pode ter desníveis internos e salões. Geralmente tem mais de uma entrada, mas nem sempre se pode atravessá-la de um lado ao outro.

Fosso é uma caverna predominantemente vertical, com grande abertura e desnível inferior a 10 metros.

Abismo é uma caverna também predominantemente vertical, mas com desnível maior que 10 metros.

Alguns autores só consideram caverna aquela cavidade natural com mais de 20 metros de desenvolvimento horizontal ou mais de 10 metros de desenvolvimento vertical. Assim, não consideram cavernas os abrigos, tocas e fossos.

Em algumas regiões do Brasil, utiliza-se o termo gruta para cavidades com pelo menos duas entradas e caverna para aquelas com uma entrada só.


Origem

Caverna em geleira (Suíça) As cavernas formam-se principalmente por dissolução das rochas. Por isso, são muito mais comuns em zonas de rochas carbonáticas, como mármores e calcários.

Embora a calcita, mineral que forma os calcários e mármores, seja um carbonato de cálcio pouco solúvel em água, se essa água absorver pequenas quantidades de dióxido de carbono formará ácido carbônico.

H2O + CO2 −> H2CO3

Esse ácido é fraco, mas basta uma pequena quantidade dele para que a água dissolva facilmente o carbonato de cálcio. Forma-se, assim, carbonato ácido de cálcio (mais conhecido como bicarbonato de cálcio), que é solúvel e vai embora com a água.
Tubo de lava Thurston (Havaí)

CaCO3 + H2CO3 −> CaH2(CO3)2

Normalmente, o calcário é uma rocha com abundantes fraturas. À medida que a água dissolve a rocha, vai alargando essas aberturas e, com isso, mais água pode ali penetrar, de modo que o processo tende a se acelerar cada vez mais.

Cavernas formam-se também em rochas ígneas e metamórficas, bem como em geleiras, pela água proveniente da fusão do gelo (figura à direita), e em recifes de coral.

Derrames de lava podem esfriar na porção superficial, mas continuar em fusão no interior. Desse modo, a lava pode continuar fluindo e acabar formando um túnel (figura à esquerda).


Morfologia

Em relação ao perfil do terreno, uma caverna pode ser:a) Predominantemente horizontal: desenvolvimento paralelo aos estratos da rocha, com pequenos desníveis internos. Forma-se principalmente por dissolução entre planos de estratificação.b) Inclinada: possui grandes desníveis, ocasionados pelo alargamento de fendas inclinadas entre os planos de estratificação.c) Vertical: também formada pelo alargamento de fendas ou fraturas, mas de direção vertical.
Em relação ao percurso (traçado em planta), uma caverna pode ser:a) De percurso linear: um único caminho, aproximadamente reto, de uma entrada a outra ou até haver um estreitamento que impeça o avanço.b) Com meandros: um único caminho, que acompanha o curso de um rio subterrâneo.c) Com múltiplas galerias: possui mais de um caminho e frequentemente diversas saídas com bifurcações e, às vezes, sistemas complexos e labirintos.

Algumas cavernas são complexas, com diversos níveis horizontais que podem se interligar verticalmente através de trechos inclinados ou mesmo de abismos internos. Alguns desses níveis podem estar inundados, enquanto os níveis acima deles estão secos.


Dimensões

A extensão total de galerias de uma caverna pode atingir muitos quilômetros e os desníveis, centenas de metros. As maiores cavernas do mundo são Ozernaya (na Ucrânia, com 107 km) e o Sistema Mamooth Cave – Flint Ridge (nos Estados Unidos, que tem nada menos que 492,4 km de extensão total).


Ambientes

Uma caverna compreende basicamente dois tipos de ambientes:a) Galerias: constituem a maior parte dos seus caminhos internos. Podem permitir caminhadas a pé ou, se forem baixas, exigir que se rasteje. b) Salões: espaços altos e largos, geralmente formados por desabamentos internos ou fraturas. Podem ter até centenas de metros de largura e altura.

Em algumas cavernas, como a Gruta de Maquiné (MG), a temperatura é muito alta; em outras, como na Gruta da Tapagem (Caverna do Diabo), em Eldorado (SP), ela é bem mais amena. Mas, mesmo onde a temperatura é alta e a caverna é muito profunda, o ar costuma ser de boa qualidade. Há algumas exceções, como aquelas cavernas ricas em matéria orgânica – que podem, por isso, conter muito gás carbônico – e cavernas como a de Naica, no México – que tem o ar perigosamente seco.


Espeleotemas

Chama-se de espeleotema uma formação rochosa originada pela dissolução de minerais e sua recristalização em níveis inferiores no teto, paredes e chão das cavernas. A substância mais comum nesse processo é o carbonato de cálcio, que, ao recristalizar, forma os minerais calcita ou aragonita, ambos com aquela composição química. Se há também magnésio dissolvido, pode-se formar outro mineral, a dolomita. Outros possíveis minerais formadores de espeleotemas são a gipsita (sulfato hidratado de cálcio) e a malaquita (carbonato básico de cobre).

Como vimos no item "Origem", a água que penetra pelas paredes de uma caverna traz bicarbonato de cálcio dissolvido. Ao entrar em contato com a atmosfera da caverna, ela libera CO2, porque a concentração desse gás é menor na atmosfera da caverna. Com isso, resta na água apenas calcita. Sendo esse mineral pouco solúvel, deposita-se (precipita) e começa a formar-se um depósito de carbonato de cálcio, o espeleotema. Se isso acontecer no teto da caverna, surgirá provavelmente uma estalactite. A figura abaixo mostra uma estalactite em formação. Estalactite em formação

O tempo de formação de um espeleotema varia bastante. Vai depender do volume de água envolvido, da velocidade de gotejamento, do teor de gás carbônico na água, da temperatura, da altura do teto etc.

Os espeleotemas mais comuns são as estalactites, as estalagmites (figuras ao lado) e as colunas.

Estalactites e estalagmites na Gruta do Lago Azul (Bonito, MS) a) Estalactites: formam-se por gotejamento através de fendas ou furos no teto. A água desce pela fenda ou furo e, ao chegar ao teto da caverna, para em razão da tensão superficial, formando uma gota. Com isso, o carbonato de cálcio precipita, como um anel em torno da gota. Quando a gota fica grande o suficiente para cair, a água se vai e o carbonato de cálcio fica aderido à rocha. O processo se repete continuamente e assim vai surgindo a estalactite (do grego stalassein, que significa pingar). Os anéis unem-se uns aos outros, formando tubos cilíndricos com 2 a 9 mm de diâmetro interno e paredes com aproximadamente 0,5 mm de espessura. Esses tubos crescem rumo ao chão, de 6 a 25 mm por século. A forma cônica surge pelo escorrimento da água pela parte externa de suas paredes. A figura à direita mostra estalactites e estalagmites na Gruta do Lago Azul, em Bonito (MS). A cor azul da água deve-se ao carbonato nela dissolvido.

b) Estalagmites: formam-se de modo similar, a partir do sal que ainda ficou na gota quando esta caiu no chão. A água evapora e ele precipita, formando uma estrutura semelhante à estalactite, mas que cresce debaixo para cima. A estalagmite costuma ser cilíndrica e com a ponta arredondada. Pode ter mais de um metro de diâmetro e vários metros de comprimento. Na maior parte dos casos, há uma estalagmite para cada estalactite, mas as primeiras podem se juntar em maciços estalagmíticos.

c) Colunas: formam-se pela união de uma estalactite com uma estalagmite.

d) Escorrimentos: ao longo das paredes da caverna podem surgir outros tipos de formação, que recebem nomes como órgãos, candelabros, pingentes, discos, folhas e cascatas rochosas, dependendo da forma.

e) Cortinas: interessante figura formada em tetos inclinados, onde a água, em vez de pingar, escorre sempre pelo mesmo caminho, criando finas paredes onduladas. Essas cortinas podem atingir o chão e se tornar muito espessas e resistentes.

f) Helictites e heligmites: espeleotemas espiralados que se formam em tetos, paredes, no chão ou mesmo sobre outros espeleotemas, por mecanismos não totalmente conhecidos e que, às vezes, lembram as raízes de uma árvore.

g) Flores: espeleotemas de aragonita, calcita ou gipsita, que se irradiam em todas as direções, a partir de um ponto central ou de um eixo. Algumas são esféricas como um dente de leão, outras lembram cachos de flores ou flocos de algodão.


Flora e Fauna

O interior das cavernas é um habitat muito particular (chamado de habitat cavernícola ou hipógeo), porque na maior parte das vezes é totalmente escuro, exceto perto das entradas e em aberturas naturais causadas por desmoronamento ou pela ação da água (figura à direita). Além disso, as variações de temperatura são muito pequenas, a umidade do ar geralmente é elevada e certos gases ocorrem em concentrações diferentes das registradas no exterior. Interior de uma caverna no Alabama (EUA)

A ausência de luz só permite o crescimento de vegetais que não precisam efetuar a fotossíntese, como alguns fungos. Frutos e sementes eventualmente encontrados são apenas aqueles trazidos pela água e por animais, de modo que a flora cavernícola pode ser considerada inexistente, exceto perto das entradas e de outras aberturas. No guano, depósito orgânico formado pelas fezes dos morcegos, podem viver alguns fungos e bactérias capazes de alimentar insetos.

Já a fauna é bem mais diversificada e mostra notáveis adaptações ao habitat das cavernas. Há três grupos de animais, classificados de acordo com seus hábitos.

Morcego da espécie desmodus rotundus a) Troglóxenos: são animais que utilizam a caverna apenas para abrigo, reprodução ou alimentação. Servem como exemplo mamíferos, dos quais os mais importantes são os morcegos (na figura à esquerda, morcego da espécie desmodus rotundus, um dos mais conhecidos habitantes das cavernas), e aves como andorinhões e corujas. Os animais troglóxenos costumam viver perto das entradas da caverna:

b) Troglófilos: são aqueles que podem viver toda sua vida tanto dentro quanto fora da caverna, embora não possuam órgãos especializados. O grupo inclui alguns crustáceos, aracnídeos e insetos, tais como grilos, besouros, baratas, aranhas e piolhos de cobra.

c) Troglóbios: animais totalmente adaptados à vida dentro das cavernas. A maioria não possui pigmentação e pode ter os olhos atrofiados ou mesmo ausentes, já que se tornam inúteis na total escuridão que ali reina. A ausência de visão é compensada por olfato muito apurado e antenas longas e numerosas, usadas como órgãos do tato.

Os troglóbios têm populações pequenas e baixa tolerância a variações ambientais. Sua sobrevivência está, portanto, permanentemente ameaçada, inclusive pela presença dos turistas que visitam as cavernas.

Entre esses animais há diversos tipos de peixes, como o bagre-cego de cor rosada, insetos, crustáceos, anelídeos e aracnídeos.


Fontes

Grupo Bambuí de pesquisas espeleológicas,< .COMPTON’S Interactive Encyclopedia. [s.l.], Compton’s NewMedia, 1992.WIKIPÉDIA em português.
Fotos
Jane M. Branco (figuras 1 e 5) < http://br.olhares.com/gruta_do_lago_azul_foto454590.html > Wikipédia em português (as demais).

ESPELEOLOGIA NO BRASIL

Existem, no Brasil, várias entidades que se dedicam à espeleologia.
A Sociedade Brasileira de Espeleologia, fundada em 1969, é uma entidade civil, sem fins lucrativos, declarada de utilidade pública, que congrega interessados na exploração, pesquisa e preservação de cavernas, assim como em todas as ciências e atividades correlatas ao meio ambiente. Incentiva, organiza e difunde atividades relacionadas à espeleologia nos setores esportivo, social e científico.
O Grupo Espeleológico da Geologia foi criado em 1985 por alunos da Universidade Federal de Brasília (UnB), a maioria do Departamento (hoje Instituto) de Geociências. Participou de diversos congressos nacionais de espeleologia e organiza periodicamente exposições sobre o assunto para a comunidade acadêmica e extra-acadêmica.
A União Paulista de Espeleologia - UPE é uma entidade sem fins lucrativos, na qual os sócios se dedicam à descoberta, exploração e mapeamento de cavernas.

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